Café coado, oração filtrada
Hoje, enquanto passava o café, me ocorreu algo simples, mas profundo: o filtro do papel retém o que não serve para beber, assim como a humildade filtra o que não serve para a alma. Sem humildade, até mesmo a oração entorna vaidade.
O Evangelho de hoje foi como aquele aroma que sobe da xícara quente: direto, discreto e necessário. Jesus não suaviza: alerta sobre a tentação de “ser visto” mesmo naquilo que é mais íntimo, como a esmola, o jejum e a oração. Tudo pode se tornar palco, inclusive o que era para ser altar.
E quantas vezes, sem perceber, transformamos nossa espiritualidade numa vitrine? Mostramos frases piedosas, postamos preces elaboradas, corrigimos a teologia dos outros e, no entanto, estamos tão distantes do silêncio interior que é o único lugar onde Deus nos espera: “entra no teu quarto, fecha a porta, e reza ao teu Pai que está oculto” (Mt 6,6).
2. Saber muito não é rezar bem
O capítulo 2 da Imitação de Cristo é quase um espelho para quem gosta de pensar. Fala direto à nossa geração informada, cheia de acesso, mas tão ausente de si mesma. “Melhor é o humilde camponês que serve a Deus do que o filósofo soberbo que observa os astros, mas se descuida de si mesmo.”
Quantas vezes achamos que orar é “ter rendimento espiritual”? Se o sentimento não vem, se a concentração falha, se as palavras se perdem… achamos que não estamos rezando. Mas a oração verdadeira começa exatamente aí: quando reconhecemos nossa miséria. Não há aplicativo, curso ou palestra que substitua esse caminho interior. A alma não se eleva pela eloquência, mas pela verdade.
E a verdade é que estamos feridos. Somos orgulhosos até para rezar. Por isso, o Catecismo da Igreja lembra: “A humildade é o fundamento da oração” (CIC §2559). Sem ela, podemos até falar com Deus — mas não o escutaremos. Porque quem está cheio de si não tem espaço para a graça.
3. Uma oração feita com poeira nos pés
Já tentou rezar depois de um dia cheio, com barulho em casa, distração na cabeça e o coração embrulhado? Pois é… aí está o campo de batalha onde a humildade se torna escudo. Não espere um cenário ideal. Reze como dá. Comece dizendo a verdade: “Senhor, estou fraco. Não consigo. Me distraio. Estou irritado. Mas estou aqui.”
A oração humilde não é sobre belas palavras, mas sobre sinceridade. Dizer a Deus o que somos, sem esconder a sujeira por baixo do tapete da alma. Às vezes, tudo o que conseguimos dizer é: “Ajuda-me, Senhor.” E isso já basta. Porque a oração não é uma performance; é um abandono.
Santa Teresa d’Ávila dizia: “Humildade é andar na verdade.” E quando nos ajoelhamos em verdade ainda que cheios de poeira e fracassos tocamos o coração de Deus com mais força do que se estivéssemos recitando salmos em latim com a alma ausente.
Então, da próxima vez que não conseguir rezar, lembre-se: talvez esse seja o melhor momento para começar. Não com palavras bonitas, mas com a alma nua.
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