Há certas obviedades que se tornam esquecidas em tempos
sombrios. O fundamento ou fato inaugural da Igreja Católica é a Encarnação,
Vida Miraculosa, Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, Verdadeiro Deus
e Verdadeiro Homem, conforme consta no Ato de Fé dos católicos. O óbvio dessa
questão basilar do Catolicismo é que esse fato inaugural é o modelo supremo
para a vida do cristão. Houve uma época, quando a Igreja Católica tinha
autoridade plena sobre as consciências, em que as cenas essenciais da História
do Messias estavam disponíveis para todas as mentes e por meio de todos os
sentidos, na alimentação e jejum, na arquitetura e nas artes visuais, na
música, no incenso e na aromática da natureza e por toda a textura da realidade
mesma.
Com tantos elementos simbólicos no imaginário era possível -
ou pelo menos mais fácil - ser um bom cristão e até mesmo um santo, como os
tantos produzidos no passado. Hoje é diferente. Essas cenas quase desapareceram
do imaginário e o resultado é um escurecimento do Amor, da Razão e da Beleza
nesse mundo sombrio apesar de tantas falsas luzes.
Hoje é um dia em que a Igreja deveria concentrar todas as
suas energias na divulgação de uma das cenas essenciais do Cristianismo. É a Festa
da Purificação de Nossa Senhora, “uma das mais antigas, senão até, a primeira
de todas. Celebrou-se em Jerusalém já no século IV, passou depois a Constantinopla
e atingiu Roma”, descreve o Missal Romano Quotidiano.
Essa celebração corresponde à cena bíblica em que Maria e
José levam o Menino Deus para ser apresentado no Templo, conforme o ritual
judaico. Por meio de uma oferenda, ofertava-se o filho a Jeová ou Iavé e
obtinha-se a purificação da mãe. A Purificação de Nossa Senhora está, assim,
relacionada à abertura do conjunto de cenas conhecido como as 7 Dores de Nossa
Senhora ou Setenário das Dores de Nossa Senhora, como o título da obra-prima do
poeta mineiro Alphonsus de Guimaraens (adquira AQUI), que descreve
mag
istralmente essas passagens bíblicas.
Nossa
Senhora vai... Céu de esperança
Coroando-lhe
o perfil judaico e fino...
E
um raio de ouro que lhe beija a trança
É como um grande resplandor divino.
O
seu olhar, tão cheio de ondas, lança
Clarões
longínquos de astro vespertino.
Sob
a túnica azul uma alva Criança
Chora: é o vagido de Jesus Menino.
Entram
no Templo. Um hino do Céu tomba.
Sobre
eles paira o Espírito celeste
Na forma etérea de invisível Pomba.
Diz-lhe
o velho Simeão: "Por uma Espada,
Já
que Ele te foi dado e que O quiseste,
A Alma terás, Senhora, traspassada...
Essa é a cena em questão e o foco é a famosa profecia de
Simeão, que dá origem à imagem de Nossa Senhora das Dores com as 7 espadas
cravadas no coração. Nesta cena, Maria antecipa, pelas palavras do velho
profeta, a visão extrema da Paixão do seu Filho Bem Amado, cuja perda era para
Ela a única dor insuportável, embora a suporte, sacrificialmente, até o
sepultamento de Jesus.
É possível imaginar que até aquele momento, Maria estava
mergulhada na beatitude sublime da Graça Divina, gozando a Consolação Suprema
de ser a visitada pelo Arcanjo Gabriel, ser reconhecida como a Mãe do Messias
pela prima Izabel e, por fim, ser a Mãe do Salvador e, efetivamente, contemplar
Deus face a face e tê-Lo em seu ventre e em seu seio. A profecia de Simeão é
uma quebra nessa sequência jubilosa. Depois de experimentar as delícias do Reino
dos Céus, unida diretamente ao Deus Menino, Ela vislumbra a possibilidade,
posteriormente gravada por São João, de que a Luz tenha vindo para as trevas,
mas as trevas rejeitaram a Luz.
Oh dor suprema, melhor captada pelo maior poeta católico em
Língua Portuguesa Alphonsus de Guimaraens:
Que
lhe importavam lágrimas? Chorasse
Desde
o nascer do sol até o sol posto;
Tivesse
prantos quando a lua nasce,
Quando, entre nuvens, ela esconde o rosto.
Junto
ao seu Berço, a contemplar-lhe a Face,
De
Mãe Divina no sublime posto,
Temendo
que uma estrela O despertasse,
Gozo teria no maior desgosto.
Por
Ele toda a mágoa sofreria...
Ah!
corresse-lhe em fonte ardente o pranto
Na paz da noite e nos clarões do dia.
Sofrer
por Ele... Sim. Tudo por Esse
A
Quem beijava os Olhos, mas contanto
Que Ele, o seu Filho amado, não sofresse!
Nada mais precisa ser dito a não ser uma das lições básicas
da Festa da Purificação de Nossa Senhora, que antigamente era comemorada com a
devota Procissão das Candeias, hoje quase abandonada pela liturgia moderna.
Para quem se atreve a viver a vida cristã é importante saber que a única dor considerada
insuportável é a perda ou separação de Jesus Cristo, cuja Encarnação, Vida, Paixão,
Morte e Ressurreição deve ser o único modelo do cristão.
Tudo o mais é Graça e Poesia!
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